segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O lado negro da lua

A Meia-luz na sala de estar confrontava-se com o passivo fio de luz vindo da rua criando a sensação de moldura. Martin estava emoldurado e parecia uma daquelas fotografias antigas que ficava pendurada na casa de seus avós. Na fotografia em sépia estavam seus avós postos um ao lado do outro em um precisão milimétrica e podia-se perceber a falta de vincos no rostos de cada um os quais Martin sempre esforçou-se para decorar, já que só lembrava dele muchos. Agora, diante dos olhos de qualque observador atento que em um relampejo invadisse o apartamento, os vincos a serem perebidos seriam os do próprio Martin. Alguma coisa, ou a falta da mesma, em sua personalidade lhe conotava bem  mais idade do que realmente tinha. Talvez fosse a palidez do seu rosto, ou uma falsa melancolia esboçada no canto esquerdo da boca quando sorria, ou mesmo a carapuça de saudosista que tomou para si ainda criança. Não sabia ao certo. Só sabia que devia haver algo de errado na datação do tempo. Mesmo sabendo como contar séculos, anos e dias, Martin sempre se perguntava como se datar conectando-se com o presente. Talvez o seu anacronismo se desse por conta da falta de um conectivo entre o Martin presente, futuro e passado. Especialmente o passado. Não entendia como após um segundo um fato tão recente já havia se tornado passado e isso embaralhava todas suas tentativas de se constituir como ser. O segundo passado que se tornava em pretérito perfeito, ou em imperfeito, era por muitas vezes a peça que desarmonizava todas as suas auto-projeções. Valia-se do benefício da rápida mutação do presente em passado para jogar ao limbo as ações que acreditava ter tido e não serem condizentes com seu eu social. Basta lembrar-se do dia em que por uma malícia desatinadora enganou o dono da venda dizendo-lhe que havia lhe dado uma nota de cinquenta, quando na verdade a nota havia sido de cinco, e exigindo o troco da suposta nota dada. Se devia sair com três cruzados, levou nos bolsos quarenta e sete e a confiança que passado a ação, e não sendo revelado, tudo ficaria para traz. Na verdade se até a lua tem seu lado escuro invisível aos olhos por que o seu deveria ficar exposto? melhor que fosse renegado ao passado, ao velho e empoeirado baú por qual poucos se interessam. Sua tenaz imagem naquela noite, diante da máquina de escrever, insistia em usá-la, revela os vincos em torno da boca que denunciava sua banal estratégia de se livrar do indesejado. E tudo isso por conta de uma intimação, um ultimato em formato de telegrama. Morrera sua mãe, também ela viraria passado, seria varrida para debaixo da terra com todas as recordações que Martin precisava livrar-se, mas que não conseguia por causa da astuta memória que só quem esteve ligada a outro por um cordão umbilical pode ter. Ela era única que poderia lhe denunciar, pois era única que conhecia o choro abafado dele à noite. Era ela que com seu olhar minucioso encontrava as desarmaguras de Martin em formato de bilhete escondido nos fundos dos bolsos. Era sua pior inimiga e ao mesmo tempo a maior especialista em seus conflitos, vitórias, dilemas. Mas agora ela tinha ido embora em posse de todas estas recordações. Martin estatelado na cadeira jacarandá viu-se enganando pelo tempo. Viu  falecer as memórias que ele acreditava que só desapareceriam sob seu comando. Viu tudo perder-se num vácuo de tempo e passarem o resto da enternidade em constande queda pelo universo junto a alma da pobre mãe. Viu-se golpeado em seu lado negro, construção sua e agora submissa aos impérios do desconhecido.

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